De Santa Luzia à Sra. Minho
Serra D'Arga - vista de Lanheses
O espírito de aventura está, não raras vezes, associado ao "ir mais além" e ao "subir mais alto", ao ultrapassar barreiras e impor novos limites.
Eis como surge a ideia de ligar o mosteiro de Santa Luzia, o ex-libris de Viana do Castelo, e o santuário da Senhora do Minho, no alto da Serra d'Arga, a Montanha Sagrada que tem ancorados os concelhos de Viana do Castelo, de Caminha e de Ponte do Lima. Mas atenção (!), quando digo "ligar", falo de traçar uma rota pedestre que privilegia os carreiros e caminhos, os trilhos e as veredas, evitando as estradas, sempre que tal é possível.
Este foi, portanto, um desafio pessoal, pensado para realizar a sós, mas que acabou por ter a companhia de um amigo, o Jorge, também ele propenso a ser seduzido por loucuras deste cariz "ligeiramente" sadio.
O traçado
A seguir ao nascimento da ideia, foi a vez de preparar o traçado. Embora conheça a região - de onde preservo grande parte das minhas memórias de infância - sítios há que vão mudando, por isso, as imagens de satélite e os mapas disponibilizados pela Google foram o recurso escolhido. A prática é simples, mas pode levar a erros que, no nosso caso, "custaram" uns 8 km acima da conta, probabilidade acentuada pela antiguidade das imagens, que à data do evento (julho/2021), teriam cerca de 4 anos.
Com início no Mosteiro de Santa Luzia, a rota foi traçada em direção ao parque eólico de Carreço, pelo dorso da montanha, até ao seu ponto mais elevado. Derivando para a direita, o traçado, agora a descer, intercetaria a a A 28, passando justamente por baixo dela, antes de entrar nas aldeias de Valadares, Tourim, Espantar e Montaria. Daí, encetava a subida à serra, nuns 4 km finais onde o desnível saltava de uns meros 100 m para os 800, acima do nível do mar.
O traçado original previa cerca de 26 a 27 km, mas acabou com 34, fruto do desaparecimento de trilhos, que em 2017 foram registados pelos satélites. Depois de suprimidas as partes desnecessárias, pode fixar-se à volta dos 26 a 28 km, realizáveis em 5h30.
O caminho
Nascendo como "um desafio", o aspeto da beleza não era, realmente, a primeira das nuances que foi tida em atenção, mas pode dizer-se que, neste campo, ninguém dará por mal empregue o esforço. Ao longo de uma primeira parte fácil, sem grandes desníveis e maioritariamente feita em bom piso, pode apreciar-se a paz de uma montanha junto ao mar. Visível a espaços, este transporta até ao alto o cheiro a maresia, que, mesclado com o perfume da floresta exuberante, transporta o caminhante para uma esfera superior, quase levitante.
O primeiro pico alcançado é o marco geodésico próximo das eólicas, que se eleva a 547 metros acima do nível do mar. Daí avista-se o ponto de partida, agora esbatido num horizonte verde e azul, das árvores e do mar. Do outro lado, como uma enorme mancha cinzenta, emerge das nuvens (ameaçadoras, por sinal) a Montanha Sagrada, muito distante, prometendo um mundo para descobrir.
Carreço, altitude - 547 metros
É na descida que tem que se refazer o percurso. A vegetação suprimiu os antigos carreiros e novos estradões feriram a encosta, permitindo caminhar rapidamente, mas - no meu ponto de vista meramente pessoal - com menos pontos de interesse.
Atravessada a autoestrada, nova modificação, perto da aldeia de Valadares, obrigando a um "corridinho", ora vai, ora vem, até se enveredar finalmente pelo caminho certo, que conduz à imponente Ferida Má - a cascata do Pincho, como ali lhe chamam.
Este foi, aliás, o local escolhido para repor energias, até porque, contando com os enganos, mais de 5 horas de caminho já estavam feitas.
Cascata da Ferida Má (Pedra Ferida ou Pincho)
Nota: em breve serão disponibilizadas outras imagens deste importante Monumento Natural Local.
Dali a S. Lourenço da Montaria é um "saltinho". Um ponto de interesse pelo meio - a aldeia de Espantar - típica e deserta, à exceção de uma ou outra camponesa, daquela estirpe resistente ao tempo e ás agruras da vida, cuja idade enruga, mas não verga os corpos secos, vestidos de luto e de freima, mas que se movem seguros, entre os campos e as casas, entre as hortas e as cortes, fazendo pela vida; por muito que ela amargue, é sempre a "nossa vida".
Fonte pública em Espantar
Moinho, em Espantar
"Ora, muito boas tardes!", dizemos, menos por delicadeza do que por um sentimento indefinido (e involuntário) que teima em diferenciar o rústico do citadino. "Muito boas tardes, senhores! Passem bem. Saudinha!". O tom é perfeitamente genuíno e sabe-nos bem.
Uma paragem ainda na Montaria. Afinal a temperatura amena cedeu à força do sol e a ameaça da chuva está, por ora, afastada.
O calor a apertar, os quilómetros nas pernas e uma subida "brutal" à espreita, são argumentos mais que suficientes para uma curta pausa. Depois, é cerrar os dentes e seguir. O trilho está bem definido, diariamente calcorreado pelos pastores e pelo gado.
"Porta da Vila", assim lhe chamam as gentes da Montaria - uma curiosa formação granítica criada pela natureza
Gruta, junto ao santuário
Santuário de Nossa Senhora do Minho
Os aventureiros, Jorge e Carlos
Terminamos com um total de mais de 9 horas, se lhe somarmos os tempos de paragem, com um sentimento de concretização enorme.
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